Existe palmeira que anda? O que é mito e o que é ciência por trás da Socratea exorrhiza, espécie amazônica que viralizou
25/10/2025
(Foto: Reprodução) Palmeira que anda? O que é mito e o que é ciência por trás da Socratea exorrhiza
A imagem impressiona: uma palmeira erguida sobre raízes longas e inclinadas, que se abrem como pernas de aranha no meio da floresta (veja ACIMA).
No vídeo que circulou recentemente, ela parece se mover rapidamente e bem determinada, como se tentasse fugir da sombra e buscar o sol.
🚫O registro viralizou nas redes, mas, ao contrário do que dizem os posts e legendas na internet, a Socratea exorrhiza NÃO caminha, claro.
“Essa palmeira possui raízes tipo 'palafitas' que podem alcançar até dois metros do solo, ou seja, os troncos não ficam no solo, mas elevados pelas raízes — é uma adaptação a áreas pantanosas”, explica o biólogo Marcus Nadruz, coordenador das coleções vivas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Ele afirma que a aparência de movimento se deve a um processo natural de substituição de raízes, e não a um deslocamento real do tronco.
👉 Em outras palavras, a palmeira não “anda”, ela apenas troca de apoio num processo bem natural e conhecido.
Socratea exorrhiza
Adobe stock
Falsa sensação
Nadruz explica ainda que à medida que novas raízes da paxiúba (como também é chamada a planta) crescem em um lado, em busca de mais luz e solo firme, as antigas, do outro, acabam morrendo e se decompondo.
O resultado, portanto, é uma ilusão: o seu tronco parece ter se deslocado, quando na verdade continua no mesmo lugar.
É como se a palmeira fizesse uma lenta “troca de pé”: cria novas bases de um lado, em busca de luz e terreno firme, enquanto as antigas, do outro, secam e desaparecem.
📝ENTENDA: O nome científico Socratea exorrhiza tem origem grega: “exo” (fora) e “rhiza” (raiz), uma descrição literal dessa sua principal característica: raízes externas.
Assim, para o espectador menos atento, esse processo pode até dar a impressão de que ela se arrasta alguns centímetros por dia, quase como se buscasse um terreno melhor dentro da própria floresta.
E foi justamente dessa imagem que nasceram as lendas de que a “palmeira-andante” vaga pela mata atrás de sol ou de solo mais firme.
Essa história ganhou força após estudos antropológicos em 1980. No entanto, pesquisas posteriores sobre a palmeira concluíram que não há evidências científicas que comprovem esse comportamento.
Socratea exorrhiza
Adobe Stock
Um papel discreto, mas essencial na floresta
Apesar da fama de andante, a Socratea exorrhiza chama atenção por outro motivo: seu papel discreto, mas essencial, na floresta.
Os frutos amarelo-avermelhados que caem de seu topo são, por exemplo, rapidamente disputados por tucanos, cutias e outros pequenos mamíferos, que espalham suas sementes por áreas alagadas e clareiras abertas.
Fora isso, as suas folhas longas e abertas, em forma de pluma, criam sombra e umidade nas copas, abrigando ninhos e servindo de refúgio para insetos e aves menores.
Já as famosas raízes, que parecem pilares erguidos no chão, formam verdadeiros labirintos na base do tronco: pequenos refúgios úmidos onde vivem sapos, lagartos e uma infinidade de invertebrados.
Raízes da palmeira Socratea exorrhiza, na Costa Rica.
Wikimedia/Domínio Público
Nadruz explica inclusive que “essas raízes são adaptáveis aos ambientes pantanosos e ajudam na sustentação da planta”.
A estrutura em forma de estaca atua como um tripé natural que permite que a palmeira cresça firme mesmo em solos instáveis ou alagados da Amazônia.
E é essa adaptação que não apenas impede o tombamento, mas também facilita a regeneração em ambientes onde o terreno é constantemente alterado por cheias e ventos fortes.
“Quando uma árvore cai sobre essa palmeira, mesmo tombada, o caule produz novas raízes e se desenvolve como outra palmeira ao lado daquela que sofreu", explica o pesquisador.
Palmeira Socratea exorrhiza, conhecida como “palmeira que anda”, em floresta tropical próxima ao Vulcão Arenal, na Costa Rica.
Wikimedia/Domínio Público
Fora isso, além da robustez estrutural, as raízes da paxiúba são recobertas por espinhos duros, uma defesa natural contra animais e predadores da floresta.
Mas a proteção que elas oferecem vai além da física. Pesquisas da Universidade Federal de Roraima apontam que as raízes da Socratea exorrhiza escondem também um notável potencial biológico.
Os cientistas analisaram extratos das partes externas e internas da planta, além dos brotos das raízes, e identificaram alta atividade antioxidante e antimicrobiana, associada à presença de flavonoides e compostos fenólicos - substâncias comuns em plantas medicinais.
Esses compostos ajudam a neutralizar radicais livres e podem atuar como barreiras naturais contra microorganismos.
Em laboratório, os extratos mais concentrados chegaram a inibir o crescimento de bactérias como Escherichia coli e Proteus mirabilis, além do fungo Candida albicans.
Para os pesquisadores, os resultados indicam um caminho promissor para novas descobertas sobre o uso tradicional das plantas da Amazônia.
Eles destacam que estudar espécies como a paxiúba ajuda não só a entender melhor a floresta, mas também a revelar o potencial que ela guarda para a saúde e para o desenvolvimento de novos produtos naturais.
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